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Música e Dança



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Contos do jardim secreto

A CHAVE (capítulo VI)

O jantar transcorreu em clima tenso, com Dona Alma contando histórias que pareciam absolutamente sem importância para Ana, que não conseguia se concentrar na conversa.
E o vinho contibuiu para a sensação de que o mundo girava em alta velocidade, produzindo um zumbido desagradável em seus ouvidos.

Já na sobremesa e em uma última tentativa de buscar explicações para tudo o que estava acontecendo, Ana achou que era o momento de seguir o plano de Josef:

- Dona Alma, sobre o livro do Sr Josef...

- Sim, você acha que deve ser publicado, filha?

- Não... na verdade, ele pediu que não fosse.

- Como? Não entendi...

- Bom, tem um bilhete no caderno, escrito por ele, pedindo que esse livro não seja publicado e eu não gostaria de contrariar sua vontade.

- Está bem, filha. Antes de morrer, ele me disse que não abrisse este caderno por nada neste mundo, que apenas o entregasse a você e que aceitasse a sua decisão.

- Pois bem, Dona Alma, ele me deixou uma tarefa a ser cumprida e eu decidi cumprí-la. Eu nunca disse nada, mas não acredito nestas coisas; para mim, aquilo que a ciência não explica, simplesmente não existe.

- Não se preocupe, filha, eu sei exatamente do que você está falando... O Josef me disse tudo isso, em sonho, no dia em que te entreguei o caderno. Ele me falou que para você aceitar seu destino, seria necessária uma prova...

O coração de Ana pulou novamente. Como Dona Alma podia saber de todas estas coisas? Ela nunca havia dito nada disso para ninguém, eram preocupações que ela mantinha em segredo, precisava da imparcialidade em sua vida profissional.

- Ele me disse, que hoje, eu teria esta prova. Me pediu para preparar este jantar, fazer uma aposta na loteria e ligar a TV, exatamente às 22hrs, em um canal que eu nem conheço direito. Faltam cinco minutos, acho melhor ligar o tal canal.

- Filha, independente do que acontecerá agora, quero que você entenda uma coisa, se ele te escolheu para continuar este trabalho, é porque você é a pessoa certa. Não duvide de você...

As mãos de Ana tremiam na direção do controle remoto, o número do canal anotado em um papelzinho em seu bolso, junto com o bilhete da aposta.

Era um novo canal de notícias, mas naquele momento o programa exibido era sobre turismo: falava sobre Bled, a cidade natal dos Witzinger. Será que esta era a prova?

Mas o letreiro com as notícias do dia continuava passando no rodapé da página e logo ele indicava: "Apenas um ganhador na Mega-sena acumulada, o prêmio, de 20 milhões de reais vai para quem apostou nos números: 02 15 17 42 47 51."

Sem entender direito e com o coração na boca, Ana anotou os números em um papel rapidamente e com as mãos trêmulas, percebeu que estavam todos em sua aposta.

Continua
Postado por Drika às 12:35 2 comentários
13/08/2008
A CHAVE (capítulo V)

"Desculpe ter que usar este truque, mas sei que você, neste momento, quer e precisa de provas. Siga minhas instruções e você as terá."

Sem saber exatamente se deveria, seguiu cada uma das instruções escritas naquela página e quando finalmente voltou para casa, não podia deixar de sentir-se um pouco tola por isso.

Seguir instruções escritas em um caderno, por um velhinho que nunca disse "coisa com coisa" - Ah! Eu devo mesmo estar ficando maluca! - repetiu para si mesma, enquanto olhava ansiosamente para o relógio, pendurado na parede da cozinha.

A ansiedade havia levado completamente sua fome e embora ela tivesse comprado todos os ingredientes para fazer um bom jantar, seguindo as ordens de Josef, ela sabia que não conseguiria sequer pensar em comida naquele momento, quanto mais fazê-la.

Demorou mais alguns minutos, que mais pareceram horas, para que Ana finalmente decidisse que era hora de começar a preparar o jantar, nem que fosse para sair um pouco daquela confusão que rodava o tempo inteiro dentro de sua cabeça.

Começou cuidadosamente aquele ritual de preparar os ingredientes que mais tarde seriam apreciados por ela e sua convidada, Dona Alma, para quem havia ligado antes de sair de casa.

- Bom, se nada acontecer, pelo menos terei mais uma história maluca para contar - continuava numa tentativa de convencer a si mesma de que tomara a melhor decisão.

O jantar já estava quase pronto e Ana foi tomar um banho e preparar-se para receber Dona Alma, que pontual, como sempre, apareceu em sua porta carregando flores e uma garrafa de vinho.

- Oi, filha... Trouxe para você.

- Obrigada, Dona Alma. São lindas! Vou colocá-las em um vaso.

- Então, hoje é o dia, não é?

Enquanto caminhava até o armário para procurar um vaso, o coração de Ana saltou novamente diante da pergunta de Dona Alma. O que será que ela sabe?

- Não entendi, Dona Alma, o que a senhora disse?

- Falei com Josef nesta noite, em um sonho, e ele me disse que hoje é o dia.

- Não sei, Dona Alma. Mas tenho algumas coisas para contar para a senhora. Só preciso que, por enquanto, a senhora esqueça sobre este assunto. - Disse Ana, quase em pânico, com a certeza de que o que estava vivendo jamais poderia ser explicado.

Continua
Postado por Drika às 14:21 0 comentários
07/07/2008
A CHAVE (capítulo IV)

Depois de alguns dias, Ana agora já havia se acostumado novamente à presença constante de Dona Alma e seus convites para um chá e muita conversa, encontros que devolveram a ela uma sensação de “vida em família” que já não sentia há muito tempo.
Em uma destas ocasiões, Dona Alma entregou a Ana um caderno com mais escritos de seu marido, supostamente um livro inédito em que ele estava trabalhando na época de sua morte.

Junto com o livro, um pedido para que Ana desse sua opinião profissional sobre aquele material, afinal, Josef não teve tempo de decidir se deveria ou não revelá-lo ao mundo.

Por intuição, Ana preferiu esconder da editora a existência daquela obra inédita; tinha medo que a publicassem, independente de seu conteúdo, simplesmente por razões comerciais, já que as obras de Josef sempre vendiam muito bem.

Não era de seu feitio adiar as solicitações que recebia, especialmente as de Dona Alma, mas o fato é que ela não tinha vontade de iniciar aquela leitura naquele momento; guardou o caderno em seu guarda-roupas e passou a inventar compromissos inadiáveis, sempre que sua vizinha mencionava o livro.

O pior é que não havia uma razão concreta para este comportamento, apenas sentia que ainda não era o momento de abrir aquele caderno e que a hora certa estava se aproximando.

Uma nova semana de trabalho correu e ela nem teve muito tempo para pensar, mas notou que Dona Alma não havia entrado em contato nenhuma vez, talvez ela tivesse percebido que estava se esquivando da tarefa, sentiu vontade de devolvê-lo. Foi até o armário em que o guardava, pegou-o e naquele instante, seu coração deu um salto.

E ainda sem saber porque, sentiu que aquele era um sinal, estava na hora, aquele era o momento de finalmente abrir o caderno.

A Chave

"Ana, só você deve ler este livro, você foi escolhida para ser o novo elo da Corrente e deve, a partir de agora, comprometer-se com este conhecimento milenar, desenvolvê-lo a seu modo, e mais tarde, quando o momento chegar, buscar o próximo elo, que permitirá que a corrente siga adiante, após a sua morte.

Este é o livro necessário para a compreensão de todos os meus livros anteriores, sim, você estava certa quando os criticava, dizendo que parecia que faltava algo neles; aqui você tomará conhecimento das coisas que faltam e assim, terá condições de dar continuidade a Grande Obra.

E para que isto seja possível, é necessário antes que você saiba que junto com este legado de conhecimento, também existe um legado de poder.

Use-o quando for necessário, mas antes de usá-lo, compreenda-o, o que te entrego agora é o resultado de um estudo que já dura milhares de anos, uma tradição que custou a vida e o destino de muitos sábios e que se mal usado pode trazer verdadeiras catástrofes para a humanidade.

Você tem o discernimento, compreende como ninguém as necessidades humanas e por isso foi escolhida. Agora é sua vez de dar continuidade a este trabalho, o tempo irá te mostrar seu sucessor.

Escolha certo e o mundo continuará a salvo, escolha errado e, bem, você já sabe, já viu os resultados das escolhas erradas em seus estudos no mundo astral. Faça o seu caminho e trabalhe sempre no seu melhor, seu espírito sabe o que é seu melhor, use-o sempre que uma escolha se fizer necessária e estará tudo bem.

Sei que está agora olhando para este caderno estarrecida, sem compreender nada, mas posso te provar o que estou te dizendo com um truquezinho barato, mas que te dará duas coisas importantes: os meios para fazer o que é necessário e a prova de que digo a verdade.

Sei que está imaginando que este texto que agora está lendo é apenas um delírio de meus últimos momentos na Terra, mas tenho certeza de que sua intuição lhe diz que há muito mais do que seus olhos agora enxergam.

Respire fundo, feche os olhos e quando estiver pronta, vire esta página. Após fazer isso, siga passo a passo minhas instruções e verá com seus próprios olhos."

Com as mãos suando e sem saber exatamente o que fazer, ou pensar, Ana virou a página e quando o fez, sentiu seu coração disparar.

Continua
Postado por Drika às 14:39 0 comentários
01/07/2008
A CHAVE (capítulo III)

O cartãozinho, cor de rosa, com pequenas rosas douradas nos cantos, era inconfundível, uma lembrança imediata de seu início de carreira na editora e de Dona Alma, uma velhinha muito simpática, esposa de um de seus autores favoritos:

“Cara Ana,
Passei para vê-la hoje à tarde, mas você não estava em casa. Estou me mudando para o apartamento 514 e gostaria muito de recebê-la para um chá.
Abraços,
Alma Witzinger”

Ana, ainda carregando as sacolas, tocou a campainha no 514, o outro apartamento de seu andar, mas ninguém atendeu.

Resolveu então entrar em casa, ainda tentando ouvir algum barulho que denunciasse a presença de mais alguém naquele andar, mas não havia qualquer movimento e ela acabou adiando um novo contato para o dia seguinte.

Na manhã de domingo, novos ruídos a acordariam, vestiu-se rápido e no vai-e-vem de carregadores que faziam a mudança, finalmente, avistou Dona Alma.

Bem mais frágil do que se lembrava, a velhinha veio a seu encontro: - Querida! Que bom que você está aqui! Agora somos vizinhas!

- Dona Alma! Que surpresa! Como vai o senhor Josef?

- Ah! Querida... meu Josef faleceu no ano passado...

- Sinto muito, Dona Alma, não sabia...

- Avisei a editora, mas parece que você estava de férias na época, pelo menos, foi o que me disseram.

- Tiro férias sempre em junho, gosto de viajar e cheguei à conclusão de que este é o mês ideal para isso.

- Pois é, filha... o meu Josef se foi em junho do ano passado, morreu dormindo, o pobrezinho... passei aqui pelo seu prédio, mas me disseram que você não estava.

- Fui para o sul, Dona Alma, passei 20 dias na Serra Gaúcha, passeando e depois, quando voltei, fiquei em casa reformando minha cozinha que estava com problemas de encanamento. Que pena, ninguém me avisou...

- Mas ele está bem, filha, você se lembra do que ele sempre dizia? Ninguém morre...
Claro, Dona Alma...

Ana continuou ajudando Dona Alma com a mudança e a convidou para almoçar em seu apartamento; não tinha feito supermercado naquela semana, mas era muito criativa e sabia bem se virar, mesmo com poucos ingredientes.

Depois da sobremesa e do café, as duas sentaram-se na sala de visitas para continuar a conversa. Dona Alma gostava muito de falar, era a coisa que mais fazia, Ana lembrava-se de que aceitara alguns convites para tomar chá em sua casa, sempre ouvindo muito mais do que falando.

Dona Alma contava-lhe longas histórias sobre sua juventude na Europa Oriental, numa pequena vila chamada Bled. Foi lá que conhecera Josef, ela ainda era adolescente e ele, um jovem farmacêutico recém-formado e com fama de bruxo.

Seus pais nunca aprovaram o namoro e para conseguir se casar, os dois fugiram da vila, o que causou um razoável escândalo. Depois viria a guerra e o casal, com medo do que estava começando a acontecer na Europa, resolveu pegar um navio e veio para o Brasil.

Aqui, o rapaz conseguiu um bom emprego em um laboratório e pode ter um pouco mais de tranqüilidade. Tentaram ter filhos, mas nunca conseguiram e o tempo foi passando, até que Josef, já aposentado, resolveu começar a escrever livros.

Suas obras eram bastante complicadas, segundo ele, Manuais de Alquimia, que lidos com atenção, serviriam de base para que qualquer pessoa interessada conseguisse ingressar naquela arte.

Para Ana, não faziam qualquer sentido, menos ainda quando eram entregues em suas mãos, ainda no manuscrito original, para serem devidamente digitados e revisados.

Embora complicados, os tais manuais vendiam muito bem e estavam sempre na lista de best-sellers da editora, o que fazia com que todo o staff, Ana incluída, tivesse que seguir recomendações intermináveis dos editores para agradá-los.

Mas isso, para Ana que perdera seus avós muito cedo, nem era necessário, já que simpatizara com o casal, em seu primeiro contato, na editora.

Era sua primeira semana de trabalho e aqueles dois velhinhos, chegaram, apresentaram-se e deixaram em suas mãos um grosso caderno universitário, todo escrito em uma letra miúda, de difícil leitura.

Continua
Postado por Drika às 11:11 0 comentários
27/06/2008
A CHAVE (capítulo II)

Não demorou muito para Ana se acostumar com sua nova rotina pós-separação, afinal pouca coisa havia efetivamente mudado em sua vida.

Acordar cedo, fazer o impossível para chegar ao trabalho no horário, voltar para casa, preparar algo para comer, arrumar as coisas para o dia seguinte, dormir e no dia seguinte, tudo igual.

Seu trabalho, como revisora também andava desgastante, sua editora resolvera publicar uma linha de manuais técnicos traduzidos do inglês que além de ser de difícil compreensão significavam que ela precisava ter atenção redobrada para que tudo saísse perfeito.

Sem muitos horizontes nem na editora, sua semana terminava da mesma forma que a anterior e a nova semana começava sem mudanças e embora tenha sentido muitas vezes vontade de sair com sua turma de amigos, para quem sabe, conhecer outra pessoa; Ana não se sentia à vontade, achava que precisava de algum tempo para si mesma antes de partir definitivamente para um novo relacionamento.

A rotina dos últimos meses era completamente previsível, até que a manhã de um determinado sábado, no final de agosto, começou diferente.

O apartamento vizinho, desocupado desde que Ana havia se mudado, estava sendo ocupado novamente e o barulho da mudança despertou-lhe antes do horário de costume.

O pior era que parecia que mais um sábado frio e chuvoso se anunciava, Ana não tinha planos, exceto passar pelo mercado, locadora de filmes e depois, lá pelas 8 da noite, dar um telefonema para o pizza delivery.

Mas já que estava acordada, teve a idéia de aproveitar melhor o dia que, por sinal, dava mostras de que afinal não seria tão ruim, até pequenas frestas de sol se faziam ver e apesar do frio, ela decidiu ir até o centro da cidade, um dos seus programas favoritos.

Deixou o carro em casa, pegou o metrô e foi mais uma vez garimpar nos inúmeros sebos alguma coisa de seu interesse.

Leitora compulsiva, Ana conhecia todas as boas livrarias, onde com muito pouco dinheiro era possível montar uma boa biblioteca.

Tinha herdado aquele hábito de comprar muitos livros de sua mãe, também leitora compulsiva, que a havia apresentado à literatura através de uma irresistível coleção de livros do escritor Monteiro Lobato, que a acompanharam por toda infância.

Depois vieram os livros da escola, Machado de Assis, José de Alencar, todos aqueles escritores que seus colegas liam por obrigação, odiando cada página, Ana lia e relia pelo prazer de deixar sua imaginação viver aquelas tramas recheadas de palavras difíceis que já não se faziam ouvir mais no dia-a-dia.

Gostava tanto de ler, que quando chegou a hora de prestar vestibular optou por letras, já naquela época, um curso pouco concorrido, pois não oferecia muitas opções de emprego.

Ao sair da faculdade, deu algumas aulas em um cursinho, mas não gostava de ensinar e acabou conseguindo um trabalho temporário como revisora em uma conceituada editora.

Apesar do trabalho árduo e do salário pouco convidativo, Ana não tinha nenhuma vontade de mudar de emprego, pois no final das contas, era paga para ler livros, a coisa que mais gostava de fazer na vida.

Quando completou 30 anos sentiu a necessidade de mudar-se da casa dos pais, procurou um apartamento, fez um financiamento e mudou-se tão rapidamente que mesmo anos depois, seu pai ainda a olhava com uma certa estranheza, sem compreender o porquê daquela decisão que ele via como drástica.

Mais uma vez com uma sacola cheia de livros, Ana voltou para casa no final da tarde, pronta para terminar com os outros compromissos de sua “agenda” de final-de-semana, mas para sua surpresa, encontrou uma cesta com flores com um cartão na porta de seu apartamento.

Continua...
Postado por Drika às 12:09 0 comentários
11/04/2008
A CHAVE (capítulo I)

A chuva caia forte na tarde em que Ana decidiu ir embora, para ela era só mais um sinal que servia como reafirmação de seu propósito, ela sentia que o frescor do ar renovado pela água, parecia lhe dar razão: - A fila anda! Repetia para si mesma, enquanto colocava a mala no carro.

Abriu a janela, trancou a porta, jogou a chave para dentro pela janela e sem olhar para trás entrou no carro... - Chega! Tudo tem um limite e finalmente o dela havia sido atingido, não existia mais nenhuma razão para ela ficar naquela casa.

Estava deixando para trás algo importante, era a primeira vez que tinha tomado a decisão de viver com alguém, tinham uma boa relação, eram amigos que se transformaram em amantes, mas a rotina e a intimidade que envolve a vida a dois tornaram a convivência impossível.

A intimidade e a traição... para Ana, que sempre teve dificuldade em confiar em alguém, era a gota d'água; daquele momento em diante nada que os dois tinham vivido importava mais, só o fato de que o único homem em que já confiara na vida havia se mostrado indigno dessa confiança.

Mil imagens rodavam em sua cabeça enquanto dirigia sob a chuva, mas ela sentia que estava deixando tudo para trás, mais alguns dias, talvez umas férias, um tempo fora da cidade e ela estaria pronta para colocar novamente seu "currículo" no mercado.

E por falar em mercado, precisava ligar para a imobiliária com urgência, avisar que não tinha mais a intenção de alugar seu apartamento, precisava voltar a morar nele, agora que não morava mais com Roberto, mas isso ficaria para amanhã; com toda aquela chuva e com o trânsito dando sinais de que levaria horas para chegar a qualquer lugar, restaria para ela passar a noite na casa de uma amiga, que já tinha oferecido abrigo alguns dias antes, quando soube de toda a situação.

Pelo menos, não passaria aquela noite sozinha...

No dia seguinte, um feriado, Ana trabalhou o dia inteiro para tornar seu velho apartamento novamente habitável, uma terapia infalível para ajudar a limpar de sua mente a impressão dos últimos dias ao lado de Roberto, da descoberta acidental da traição à decisão final de acabar com a relação, tudo tinha acontecido muito rápido, nem parecia que eles se conheciam desde a infância.

Roberto era vizinho de Ana, os dois frequentaram a mesma pré-escola, depois a mesma escola e só se separaram na adolescência, quando o pai de Roberto foi transferido para o Rio de Janeiro. Perderam o contato e só se encontrariam novamente em um bar de rock, onde Roberto tocava guitarra com sua banda underground.

Ana estranhou os cabelos longos, mas o guitarrista daquela banda barulhenta, que a impedia de conversar com suas amigas tinha alguma coisa de familiar e não tinha parado de olhar para ela a noite toda.

Quando o show terminou, Ana foi até o banheiro e quando voltou, encontrou o músico já instalado em uma das cadeiras vagas ao redor de sua mesa, Clara, uma de suas amigas, parecia estar conversando animadamente com ele.

- Ana, por que você não disse que conhecia a banda?

- Eu? Não conheço... - respondeu na defensiva, já imaginando que a amiga estava caindo em algum tipo de golpe.


- Você não lembra mesmo de mim, Ana? Sou eu, o Roberto, filho da Dona Lúcia...

- Roberto? E na cabeça de Ana logo apareceu um garotinho sardento de cabelos louros, cacheados, sem os dentes da frente e com os olhos mais azuis que ela já tinha visto.

- É, sou eu... lembra? Eu mudei para o Rio...

- Claro... Nossa! Não esperava te encontrar!

De madrugada, quando finalmente saíram do bar, os dois combinaram que se encontrariam novamente e esse reencontro foi só o início do que seria o relacionamento mais sério de sua vida.

CONTINUA
Postado por Drika às 19:04 0 comentários
12/03/2008
O CANDELABRO (capítulo final)

Quando desligou o telefone teve uma sensação estranha e, seguindo os conselhos de Ivan, decidiu concentrar-se apenas em organizar o material que levaria para as entrevistas do dia seguinte.

Depois de fazer uma checagem cuidadosa de cada item, programou o telefone para tocar às 6 da manhã, ligou a TV, programou o timer e decidiu relaxar.

Aquele final tinha sido muito chocante para ela, ter a consciência de que tinha sido capaz de tirar a própria vida deixou-a triste e decepcionada consigo mesma.

Sabia que estava longe de ser perfeita, mas suicida? Pelo menos sentia que desta vez nada conseguiria deixá-la chegar àquele ponto.

No dia seguinte, ela comeu um sanduiche com as sobras do seu jantar e esperou pelo micro-ônibus da produção na porta do hotel.

Mais um dia lindo estava amanhecendo e embora não deixasse transparecer, Clara sentia-se como uma criança pois estava indo ver de perto aquele mundo mágico do bruxinho inglês. Fez o que podia para parecer fria e crítica, mas por dentro estava em festa.

Voltou para o hotel só no final da tarde, ainda mais apaixonada por aquela profissão que havia escolhido como saída para sua vontade de escrever.

Algumas entrevistas que ainda estavam pendentes foram confirmadas para sexta-feira e o seu retorno para o Brasil já estava marcado para o sábado à noite, restava para ela decidir agora se tentaria encontrar a loja de antiguidades na Portobello Road ou se desistiria de vez de descobrir mais sobre aqueles personagens que estavam cada vez mais próximos dela e de Ivan.

O sábado chegou rápido, Clara foi até a feira de antiguidades e foi refazendo o roteiro da sua primeira passagem com Ivan. Desta vez, não teve dificuldade para encontrar a loja, que por sinal exibia em sua vitrine o candelabro dourado com o leão.

Lá dentro, um rapaz de cabelos ruivos e longos, amarrados em um rabo de cavalo veio prontamente atendê-la.

Horas depois, Clara estava aguardando o momento de seu embarque em Heathrow, escrevendo rapidamente em seu notebook. Agora sim, sua história estava completa.

Quando Clara chegou no domingo de manhã, Ivan a estava esperando no aeroporto. Tentando disfarçar sua preocupação, ele carregava um lindo arranjo de flores.

- Que saudades! Você está bem?

- Melhor do que nunca - respondeu Clara - com um sorriso que o deixou intrigado.

No caminho até o carro, ela comentava detalhes de suas entrevistas e de como tinha sido divertida aquela semana, Ivan por sua vez, contou que tinha finalmente achado o lugar ideal para seu consultório, só faltava ela dar uma olhada para fechar negócio.

Ela não disse nada, mas gostou daquela atenção, o momento era muito especial para ela. Só faltava saber como ele iria encarar as últimas descobertas dela.

Depois de um banho e de reorganizar sua bagagem, ela estava pronta para conversar. Nas mãos uma caixa de presente, para Ivan, rapidamente aberta.

- Não entendi? Você voltou naquela loja?

- Voltei... conversei com o vendedor, queria mais informações sobre os candelabros, não te disse nada, mas vi os dois nos meus sonhos, eles ficavam no palácio...

- No quarto, em cima da lareira...

- Você também viu?

- Claro! Bom, vou te explicar o que está acontecendo...

- Espera, deixa eu te contar o que descobri no antiquario. O rapaz que vendeu os candelabros para nós disse que pertenciam a família dele há anos. Chamou até o avô dele para conversar comigo sobre eles. Bem, ele disse que ficavam na casa da avó dele, na Escócia e que a avó dele sempre dizia como a mãe dela tinha ganho aqueles candelabros da Rainha Vitória, pouco depois da morte do príncipe Albert.

- Mas não me consta que ela tenha se suicidado e tenho certeza que ela teve vários filhos...

- Sim, depois eu procurei pela história dela na internet e vi que essa parte do sonho não se encaixava, foi aí que me ocorreu uma coisa.

- O que?

- Que o inconsciente é poderoso, mas que ele podia estar mostrando para mim uma idéia, uma vontade dela naquele momento de dor, algo que nunca aconteceu. E também tem a questão do tempo, não sei quanto a você, mas não senti como se anos tivessem se passado, nem vi nada sobre filhos e olha que ela teve nove!

- Isso é verdade, pareceu que tudo aconteceu muito rápido, talvez meses após a cena na casa perto do lago...

- Sandrigham... eu pesquisei...

- E você? O que tinha para me dizer?

- Depois que você me contou sobre o sonho do suicídio, fiquei preocupado e conversei com o Dr Marco Aurélio, lembra dele?

- Seu velho "guru"...

- Sim, ele me disse que não me preocupasse, estávamos resgatando aquilo tudo porque éramos muito teimosos e precisávamos de uma razão sobrenatural para admitirmos que queríamos ficar juntos e que isso provocou esse monte de sincronicidades, mas que se fosse tudo analisado como deve, se nós tivessemos a capacidade de fotografar tudo o que vimos, notaríamos que tudo não passa de uma criação de nossas mentes.

- Pode ser... mas quer saber? Não importa, a vida continua! Se nós estávamos mesmo lá, se éramos aqueles dois e vivemos tudo aquilo, tanto faz! O que interessa mesmo é o agora.
Não temos como provar o que aconteceu, como o maluco do Dr Marco disse, não podemos fotografar, nem filmar tudo o que vimos e mesmo que tivessemos, as pessoas ainda iam achar que era algum truque, iriam tentar empurrar suas crenças e dogmas e distorcer tudo o que mostrássemos.

- Então, o que você vai fazer?

- Nada... vou publicar o livro como ficção e pronto... a história vai estar lá, como se fosse um produto da minha imaginação.

- Mas vai chamar atenção...

- Espero mesmo que chame, quero que seja um sucesso, mas como ficção e se alguém me perguntar, como perguntavam sobre os personagens do rockstar, eu respondo que é ficção.

Clara passou os próximos meses aperfeiçoando sua ficção, quase não saia do escritório, não sabia como aquela história terminava, mas sabia que no quarto ao lado, alguém que tinha escolhido há muito tempo, continuava por perto, compartilhando novamente sua vida.